3.8.10

Crítica e resposta à crítica - Correio Popular de Campinas

Campartilhamos abaixo a crítica feita pela jornalista Paula Ribeiro, do Jornal Correio Popular de Campinas, para a apresentação do espetáculo A Porta da Cia Troada. Logo em seguida está a resposta publicada no mesmo jornal. Vale a pena ler e refletir sobre o que vem a ser uma mensagem no teatro.

Publicada em 20/7/2010
Caderno C Espetáculo A Porta usa o nome de Kafka em vão
/ CRÍTICA / Peça que integrou festival acompanha homem que sofre de insônia
Paula Ribeiro DA AGÊNCIA ANHANGUERA paula.ribeiro@rac.com.br
Se não integrasse a programação do Festival Internacional de São José do Rio Preto (FIT), cujo objetivo é a “busca pelo novo e o caráter experimental em processos que exploram diferentes formas de comunicação”, talvez A Porta, novo espetáculo da Cia. Troada, que estreou na noite do último domingo, no Sesc-Campinas, não atingisse o público.Amparada pela livre inspiração na obra de Franz Kafka, a peça dirigida por Vinícius Torres Machado se permite fazer quase nenhum sentido e passar mensagem alguma ao público ávido por conhecimento, questionamento, sentimento ou, pelo menos, entretenimento. Frases de efeito e sem sentido são jogadas ao léu por um narrador para quebrar um pouco o silêncio e piorar a não compreensão do público.A Porta mostra a história de Gregor K. — cujo nome só aparece no material de divulgação do espetáculo — um homem que vem sofrendo noites de insônia e, dentro de seu quarto, luta com seus fantasmas, sonhos, taras e medos, na forma de atores mascarados.As máscaras, aliás, são um espetáculo à parte. Muito bem feitas e com expressões híbridas, acabam se tornando alvo da curiosidade e ansiedade do público pela próxima cena. Elas também desafiam os atores que, desprovidos da expressão facial, têm que se fazer entender pela corporal — uma experiência interessante que se completa quando leva o público ao riso.Para isso, são utilizadas técnicas de clown e algum butô. A trilha sonora também conquista. Desde os primeiros acordes de violino, o suspense fica no ar com o tom misterioso das entradas sonoras.A história, porém, mesmo que nonsense, não chega ao público e é longa demais. A 1h10 minutos de espetáculo parece não passar com personagens entrando e saindo do quarto, munidos de um envelope contendo algum documento oficial. Uma intimação, diz o material de divulgação. Mas em nenhum momento isso fica claro na peça. Depois, a luta é pela chave da porta que integra o cenário, que deve ser encontrada e, de alguma forma, livrar Gregor daquele sonho. Ou seria um pesadelo?A peça, portanto, tem que avançar um pouco, em termos de se fazer entender pelo grande público, se quiser mesmo entrar nas temporadas dos teatros fora de festivais experimentais como o FIT. Deve buscar um pouco mais em um dos apoios da tríade teatral: o imaginado ali está, assim como o que se vê, mas quem assiste ainda não está recebendo a mensagem. Qual é ela, afinal?

Publicada em 23/7/2010
Sessão Opinião: Teatro que faça pensar
VINICIUS TORRES MACHADO viniciusvina@yahoo.com.br
Agradeço ao Correio Popular pela divulgação do espetáculo A Porta, da Cia. Troada, e por fomentar discussões por meio do espaço dedicado à crítica teatral. Poder contar com a presença da repórter Paula Ribeiro para a estréia de A Porta, no Sesc-Campinas, no domingo, dia 18 de julho, foi muito valorizado por todos nós da Cia. Troada. Assim, no intuito de que os temas colocados em pauta possam ter o desdobramento que o conteúdo da crítica exige, solicito a publicação deste artigo.Concordo com a jornalista Paula Ribeiro, quando ressalta em seu texto a ausência de uma mensagem clara no espetáculo, em artigo intitulado “Espetáculo A Porta usa nome de Kafka em vão” (Caderno C, 20/7. C2). A jornalista consegue definir com inteligência uma das principais características de nosso trabalho: não oferecer uma mensagem explícita, mas tentar levar o público a refletir, a partir de suas próprias percepções, que decorrem de suas trajetórias e referências. Afinal, precisa de uma mensagem?A Cia Troada prima por perspectiva do teatro moderno que não nasça do pensamento, mas que faça pensar. O objetivo da arte, em suas diferentes manifestações, não é, necessariamente, apresentar um conteúdo claro, mas levar o público a novas formas de reflexão. A teatralidade é um plano autônomo e sua dimensão estética não está subordinada a qualquer discurso científico. Assim, a forma teatral, sua estética, e o conjunto de elementos simbólicos, não deveriam ser entendidos como um desdobramento secundário de um objeto primário definido como uma mensagem. O objeto artístico deve ser considerado como uma reserva de possibilidades, em que todo o discurso se esgota antes de chegar ao seu fim.Quanto à necessidade de se fazer entender pelo grande público, assumimos o risco de propor um tipo de teatro que não acompanhe o padrão da indústria cultural, de consumo rápido e indolor. Nossa proposta é levar o público ao questionamento, como aquele com que a autora do artigo encerra seu texto: “Qual é ela (a mensagem), afinal?”
Vinicius Torres Machado é diretor e dramaturgo da Cia Troada

Um comentário:

Nessah disse...

Interessante poder ler a crítica e a opinião do diretor.

Uma discussão que tem me interessado muito, em meu processo de formação é o fato de que a função do teatro estaria justamente na possibilidade de criar perguntas e não respostas. O cinema e a TV, com suas imagens já nos dão respostas, regras de compreensão o bastante. E, também neste sentido, vejo o teatro como espaço de liberdade.

No teatro contemporaneo, creio eu que há um excelente espaço de proposição. E A Porta faz isto: ela se abre para que nós, espectadores, possamos dar significados, os quais perpassam por nossa subjetividade, história, construção do conceito de Arte, valores no geral e etc.

Quando assisti à peça me vi pensando em vários significados para cada movimento, cada sonho. E justamente isto me encantou e me aproximou da peça: foi a minha peça, foi a liberdade de atribuir o MEU significado a chave, as máscaras, ao sonho (ou pesadelo); de certa forma, escrevi a peça, junto com os atores. E não é esta justamente a tríade teatral: ator, texto (falado ou não) e público, cada um desenvolvendo ATIVAMENTE um papel ??

Este tipo de peça me parece uma interessante forma de resistência à cultura massificada, que apresenta os seus valores, que aprisiona a alma humana em respostas e visões parciais.

Entendo perfeitamente a agonia que deva ter sido sentida pela jornalista Paula, mas este vazio de respostas, creio eu, é que se faz tão necessário hoje em dia. Ficar em suspensão, em duvida, ai reside a Beleza, a possibilidade de expansão, de Arte.

E só mais um comentário. Quando vi este espetáculo, me lembrei muito de Loving Blenders e Quem não sabe o que é e onde está precisa se mexer (da São Jorge), que tem uma linguagem bem diferente desta peça e de qualquer outra, mas que como A Porta tem em comum o fato de não propor respostas, nomes, não atribui significados pré-concebidos. Pra que teriamos de saber o nome do personagem, se o conhecimento também pode passar por outras formas de saber: o sentir, o significar?

Acredito que precisemos de mais espetáculos como este, com proposições que nos aproximam da Arte, da reflexão, da sensibilidade e sentimento!!

Obrigada pela atenção, Nessah